Chegando à aldeia, vê-se a perder de vista o serpentear das encostas, amarelecidas pelo nascer do sol. São pequenos raios, envergonhados, que iluminam a calmaria da povoação.
Em Provesende, o dia nasce de forma diferente. São 6h15 e, algures, já se sente atividade no ar. Enquanto a aldeia recupera ainda de um cansativo dia de trabalho, já as mãos de Maria Etelvina encontraram a textura da farinha. Foram anos a fio que calejaram os métodos, aliados ao calor de um forno artesanal, que dão vida a uma das mais genuínas e indispensáveis formas de alimento, o pão.
O edifício onde está instalada a padaria é o testemunho de que a maturação e a aprendizagem se fazem ao longo de décadas. Situada no centro da aldeia de Provesende, o local de trabalho de Maria Etelvina e do seu filho António é diariamente destino de romaria a meio da manhã, quando as portas do forno se abrem. A antiga azenha – lagar de azeite – atesta ainda hoje os processos que desde sempre foram mantendo intactos o sabor do pão de Provesende.
De manhã cedo, Maria Etelvina vai passeando pela padaria, em passos pequeninos e demorados. Os seus 78 anos já não permitem grandes correrias e vai sendo o comprometimento de dar pão fresco à aldeia que a motiva dia-a-dia.
Pelas 6h30 já a massa está mexida. Ficou a levedar com fermento artesanal e é agora hora de a estender na banca. São 80 quilos de farinha, água, sal e fermento que, misturados, vão equivaler a cerca de 120 pães. “Hoje vamos fazer pães com farinha de centeio. É assim todas as semanas. Vai-se alternando todos os dias entre o trigo e o centeio, porque as pessoas também gostam de variar”, explicou Maria Etelvina, enquanto preparava a rigorosa balança cor de ouro, que possui desde a abertura do estabelecimento. “Deita-se a farinha e desfaz-se o fermento. Bota-se o sal e mexe-se. Depois lança-se água consoante a quantidade de farinha que se usou. Desta vez, para 80 quilos foram quatro baldes de água”, contou a padeira.
Na bancada onde tudo se processa, com cerca de 20 anos, encontram-se vários objectos, eles próprios parte integrante da identidade da padaria. Uma balança antiga, um corredor de farinha e uma roladeira para moletes são algumas das relíquias com as quais ainda hoje se labora.
Com as mãos na massa

Entre brasas e tições

Na boca da fornalha
Olhos atentos no tecto branco indicam que é o momento indicado para enfornar. António retira todas as brasas e fagulhas do interior e prepara-se para o braseiro.
Maria, António e Conceição dirigem-se então para a boca do forno. Enquanto António empunha a pá, feita de um esguio tronco de pinho verde, Conceição põe-lhe farinha. Maria Etelvina dá a última carícia ao pão antes de o enviar ao forno.
Num gesto suave, retira o pão da amassadeira, passa-lhe levemente a mão por cima e coloca-o na pá. Com o polegar apontado ao centro do pão, Maria Etelvina deixa a sua marca. “Já assim fazia a minha mãe e a minha avó”, recordou. Impressão digital que vai cravada nos 120 pães desta fornada. No fim do processo, o suor no rosto de António, é a marca indelével da dificuldade inerente a todo o processo.
Três quartos de hora ao calor irão fazer com que a massa se transforme em pão. O calor, aliado à força divina, garantida pela reza de sempre, irá, com certeza, fazer com que o pão adquira as devidas proporções. “Deus te benza, Deus te acrescente, Deus te faça pão, Deus te bote a divina benção”, segredou Maria Etelvina.
Ainda antes do pão sair do forno, já se sentiam outras andanças. São os clientes de todos os dias, conhecedores dos horários da padaria de Maria Etelvina, que ansiosos, começam a chegar. António abre o forno e começa a tirar as broas de centeio. Parece um trabalho interminável. As broas vão saindo, mas numa espreitadela, pode ver-se que o forno ainda está cheio.
Os pães seguem agora para a carrinha de António e vão viajar até Sabrosa, Vilarinho, São Cristóvão, sendo vendidos directamente ao povo por 1,20€. Ao balcão da padaria fica o rosto simpático de Maria Etelvina. É ela que dá em mão o pão aos clientes da aldeia e aos turistas que não ficam indiferentes aos aromas que exalam da padaria.
Na tarde do mesmo dia, sairia ainda nova fornada doseada por mãos metódicas, onde o equilíbrio se atinge nos pratos da balança. Um balancear que acaba sempre por pender para o lado da dedicação de anos.
Referência
Reportagem de Daniel Faiões/Mensageiro Notícias