Navegando ao longo do tear, a gasta lançadeira de Olímpia Monteiro vai ditando as regras da arte. Dela vai saindo o fio de linho, o fino cabelo branco nascido em terras de Agarez.
A feitura diligente
Na casa onde se encontra o tear da artesã, bem no centro da aldeia transmontana, estão alguns fardos de linho, já tratados em anos anteriores, à espera de serem transformados. É na soleira da porta que Olímpia, munida de uma maça, começa todo o processo. Em batimentos ritmados vai prensando os fios de linhaça, até que estejam prontos a ser estrigados. Seguidamente e com um ar aguerrido, Olímpia empunha a espadela, munição pacífica que a ajuda a tratar a linhaça, separando, a cada golpe, o linho da estopa. Os fios dourados da linhaça passam a um branco celeste através de uma série de fases distintas e demoradas. Para o linho adquirir uma tonalidade esbranquiçada tem que ser colocado no sarilho, antes de ser fervido numa mistura de água, cinza e sabão. “A gente colocava as meadas em cinza e, depois, cegava um mão cheia de erva e levava-se ao forno”, recorda a artesã. Esta junção de elementos ficava um dia no forno, “é uma cozedura quase como a da broa”. Retiradas no dia seguinte, as meadas eram lavadas e estendidas a corar. Finda essa etapa, as meadas de linhaça são colocadas na dubadoira, de onde só saem feitas novelo. Nesta fase, os fios já perderam a cor dourada e alguma rudeza, apresentando uma tonalidade alva e um fio cada vez mais fino, que será colocado nas canelas para chegar ao tear. “Isto tem muito que se lhe diga desde o princípio e todas as peças são precisas. Sem isto não se pode fazer o linho”, sublinha Olímpia Monteiro. Os utensílios com os quais trabalha foram construídos pelo avô, passaram para a mãe e fazem hoje parte do relicário que a acompanha diariamente. Ao lado do tear, onde Olímpia agora trabalha encontra-se um outro, visivelmente desgastado, testemunha viva do pedalar acelerado da artesã. “Este tear tem mais de 200 anos, mas já não trabalho nele”, diz nostálgica. É junto ao ripo que Olímpia explica o que distingue o linho da estopa. À medida que os fios de linhaça passam pelos agressivos pregos do ripo deixam para trás as sobras da planta. Este excedentário, que não vai a corar, será posteriormente utilizado para fazer as peças de estopa, naturalmente mais baratas em virtude do seu processo não ser tão moroso. Depois de separados, os fios, que serão linho ou estopa, são colocados no tear pela artesã. Num gesto exímio e seguro, Olímpia vai passando a lançadeira por debaixo dos fios. Nesse mesmo momento, os fios vão-se unindo aos que, já entrelaçados, deixam adivinhar o futuro pano. É com alguma mágoa que Olímpia desabafa que as mais raparigas novas de Agarez não se interessam pela arte, em parte porque a dedicação a este ofício obriga a uma espécie de cativeiro consentido. “Algumas raparigas já andaram a aprender no curso, mas não vão lá porque o tear é uma prisão. O tear não está no povo. Se estivesse no povo, elas teciam e davam à língua”. Apenas a roca permite interromper o trabalho solitário do tear. “Cada uma sai com a sua roca e fia para si, assim podemo-nos juntar três ou quatro e conversar.”
O ouro que se tece em branco
Um baú de horas gastas
Na residência de Olímpia resta ainda um baú envelhecido repleto de peças feitas em linho. Este relicário, a caixa do bragal, guarda muitas das horas de dedicação oferecidas à arte que desenvolve com tanto apreço. No cofre habitam várias dezenas de peças, entre panos, colchas e toalhas, que esperam ser transportadas para outros locais, onde certamente serão, da mesma forma, admirados. Nesta teia de incertezas quanto à tradição dos linhos de Agarez, Olímpia Monteiro refere que as suas filhas “sabem a arte”, mas o que se passa é que “estão todas empregadas e para isto é preciso tempo”. Fiam-se novas esperanças, pedala-se para cumprir a tradição e tece-se o orgulho de preservar uma arte, cuja resistência está por um fio.
Referência
Reportagem de Daniel Faiões/Mensageiro Notícias