Conheça a região, a sua paisagem física e natural, as suas gentes, os seus costumes, a sua herança cultural através da obra literária de Miguel Torga...
“... o homem e o poeta-escritor que cultivou o turismo por uma profunda necessidade cultural, que palmilhou o país de lés a lés na descoberta...”
Localizemo-nos no espaço e na obra, começando com a região de Trás-os-Montes
Detalhes da Rota
[…] berço que oficialmente vai de Vila Real a Montalegre, de Montalegre a Chaves, de Chaves a Vinhais, de Vinhais a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Freixo, de Freixo à Barca de Alva, da Barca à Régua e da Régua novamente a Vila Real, mas a que pertencem Foz-Côa, Meda, Moimenta e Lamego – toda a vertente esquerda do Doiro até aos contrafortes do Montemuro, carne administrativamente enxertada num corpo alheio, que através do Côa, do Távora, do Torto, do Varosa e do Balsemão desagua na grande veia cava materna as lágrimas do exílio.
Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.
Terra-Quente e Terra-fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas.
Nos intervalos, apertados entre os lapedos, rios de água cristalina , cantantes, a matar a sede de tanta aridez. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Veigas que alegram Chaves, Vila Pouca, Vilariça, Mirandela, Bragança e Vinhais.
Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.
Portugal (Um Reino Maravilhoso – Trás-os-Montes)
Ao mesmo tempo temos a região do Douro e o rio que lhe dá o nome, surgindo este como fonte de inspiração para o autor sendo constantemente referenciado nas suas obras. O rio surge para o autor como uma pequena maravilha da natureza e impetuosidade grotesca e sublime, ao mesmo tempo que é encarado como algo vivo, arrojado e temeroso. O amor e o ódio são emoções que surgem a par, rivalizando-se.
Nenhum outro caudal nosso corre em leito mais duro, encontra obstáculos mais encarniçados, peleja mais arduamente em todo o caminho […]
Mas a própria beleza deve ser entendida. Não é subir aos restolhos de Lagoaça, contemplar o abismo, e quedar-se em êxtase. Não é espreitar de S. Salvador do Mundo o Cachão da Valeira, e sentir calafrios. Não é descer de Sabrosa para o Pinhão, estacar em S. Cristóvão, e abrir a boca de espanto. Não é ir a S. Leonardo de Galafura ou ao miradoiro de S. Brás, olhar o caleidoscópio, e ficar maravilhado. É compreender toda a significação da tragédia, desde a tentação do cenário, à condenação de Prometeu, ao clamor do coro.
Ser neste chão árido e hostil um novo criador de vida, dar aí uma resposta quotidiana à morte, transformar cada ravina em parapeito de esperança e cada bagada de suor em gota de doçura – eis o que o Titã ensinou aos homens, e o que Zeus lhe não perdoou. Por isso o seu perfil rebelde é o próprio perfil dos montes
Portugal (Um Reino Maravilhoso – Trás-os-Montes)
Deixamos a bonita cidade de Vila Real.
Por curvas e entre curvas, vamos deixando a montanha e começamos a deleitar-nos com a paisagem duriense da vinha e do vinho. Chegamos ao miradouro de S. Leonardo de Galafura e com ele avistamos o rio. Aqui inscrito numa pedra encontramos o seguinte poema …
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.[…]
Diário IX
Mesmo em frente vislumbra-se a ermida de Santa Eufémia na freguesia de Parada do Bispo
“ … A ermida de Santa Eufémia fica no alto de um descampado de fragões e à sombra de meia dúzia de castanheiros da idade do mundo é que se lhe faz a festa”
A festa, Novos Contos da Montanha
A esta ermida encontra-se associada uma das romarias mais famosas da região, também ela retratada no mesmo livro.
Tempo de ir embora. S. Martinho de Anta terra do autor espera por nós. A distância não é muita. Mas é preciso ir devagar: são as curvas e contra curvas que acompanham novamente esta terra de montanha e faz a fronteira entre estas realidades.
Chegamos a S. Martinho de Anta. “É o principio, o berço da memória, donde tudo flui.”. A bonita vila é nos dada a conhecer pelo autor e com ele fazemos o percurso através da sua escrita. O tempo passou mas ainda é possível constatar as vivências de outrora e os traços que marcaram a escrita do autor. Uma paragem mais prolongada e podemos ainda encontrar e dar dois dedos de conversa com alguém que conheceu e privou com o mesmo.
“Subia a quelha, atravessava o Eirô sob a copa do negrilho, cumprimentava o Senhor Arnaldo, sempre de plantão nos cobertos, e diante da loja das Pintas, já levava a fralda de fora. […] A escola, ao fundo do povo, tinha mimosas à roda. Em frente, passava a estrada de macadame, há anos em reparação, que vinha do Porto e seguia até Bragança. […] Com janelas rasgadas a toda a volta que dum lado deixava ver o Marão. […] Proibira-me de frequentar a venda do ti Faustino. Que já não era próprio. Mas, em troca, propunha-me o palacete do brasileiro. E acabei por aceitar. Passava como um foguete pelo Eirô, e um quarto de hora depois já estava a empurrar o portão da Vila Condor, conforme se lia no arco de ferro que o encimava. Sob um túnel de videiras e macieiras, atravessava o quintal, e chegava à enorme vivenda de granito e vidro, com divisões de pé direito desmedido, frias e alumiadas a acetilene, que custara rios de dinheiro ao dono. Erguera num chavascal aquele casarão isolado e desconfortável, que uma reprodução em faiança do abutre dos Andes, de asas abertas no telhado, tutelava.
(…) A escola, ao fundo do povo, tinha mimosas à roda. Em frente, passava a estrada de macadame, há anos em reparação, que vinha do Porto e seguia até Bragança. […] Com janelas rasgadas a toda a volta que dum lado deixava ver o Marão ao longe, muito azul no verão e muito branco no inverno, mal se conhecia que em tempos fora caiado. Na frontaria, entre dois moirões a pino, bandeava-se a sineta. […] O senhor Botelho gabava-se de apresentar sempre os melhores alunos do círculo, sem uma reprovação em trinta anos de serviço.[…] Os outros tiveram óptimo, e eu fiquei distinto.
A Criação do Mundo
Aguardemos. Primeiro ainda vamos até à ermida de Nossa Senhora da Azinheira, em cuja igreja do séc. XVII tem lugar a principal romaria da região. Próximo da ermida, situa-se uma zona pedragosa, uma vasta área de mamoas, que explica a extensão do topónimo: antas.
A festa da padroeira realiza-se em Agarez no dia quinze de Agosto. É uma romaria como não há Segunda nas redondezas, conhecida em todo o Doiro, que mete poviléu das cinco partes do mundo. […] A procissão sai da igreja às dez e meia, e atravessa Agarez antes de meter pela serra cima a caminho da ermida.
A Criação do Mundo
Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação serrana!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Diário VII
A fome espreita. É tempo de almoçar. A ementa não poderia ser outra: cozido acompanhado do bom vinho da casa. A mesa e a cadeira onde o autor se sentava ainda lá se encontram. O Sr. Mário faz as honras da casa. Falar de Miguel Torga é dar azo a uma conversa deliciosa e mais curiosidades do autor nos são reveladas.
Porém, é tempo de seguir viagem. S. salvador do Mundo espera por nós, e ainda temos de passar pelo monte de S. Domingos e depois descer interminavelmente de Sabrosa até ao Pinhão.
S. Martinho de Anta, 30 de Setembro de 1957 – Penosa arrancada ao monte de S. Domingos. […] Foi ali que num remoto dia da mocidade me senti consciente do meu destino de artista, bafejado por que não sei estimulante vento do espírito. Ali ia retemperar a lira quando a sentia bamba. E era ali que eu devia ir dizer adeus para sempre ou por algum tempo, à força oculta que, depois do transe, nunca deixou de me impelir ou guiar. Por isso, em silêncio, religiosamente, como um peregrino que fosse pela última vez à sua Meca, subi, subi, e desci novamente ao vale de lágrimas da vida.
Diário VIII
Pinhão, 25 de Setembro – Não pode haver no mundo coisa mais bela do que o vale do Pinhão, quando estas primeiras tintas do Outono o visitam. A gente olha de cima, e não está mais na terra. Debruça-se sobre um abismo de cor, ao fim do qual dois rios se bebem com sede um do outro. Mas não há uma linha decente a dizer isto, não existe uma lenda a almofadar tanta beleza, nunca um poeta por aqui passou com a lira na mão.
Diário III
Do Pinhão começamos a penosa subida para S. João da Pesqueira, com destino a outro ponto de observação magnifico: S. Salvador do Mundo.
LITANIA
S. Salvador do Mundo… de granito:
Que salvate, afinal?
Ossos e ossos deste velho mito
Que, sem terra, se chama Portugal.
Nós nas giestas pedem-te, devotos,
Carne de alcova, húmus de semente.
E são fragas que dás, beijos remotos
Num corpo que no céu há-de ser quente.
S. Salvador do Mundo… português:
Temos rezado tanto,
E dás-nos este monte, esta aridez
Feita pela erosão do nosso pranto!
Diário IV
“(…) Estamos em pleno Douro vinhateiro, cuja paisagem engrandecida se transfigura ciclicamente após a colheita do preciso néctar.
Assiste-se em finais de Setembro, ao ritual das vindimas de outros tempos, toda ele festas e sofrimento, tão bem descrito pelo nosso guia. As rogas com música e cantos tradicionais alegram a descida das terras frias para os quentes baixios. O trabalho é árduo nesses degraus do Olimpo, com os homens a carregarem ás costas enormes cestos de uvas e a percorrerem intermináveis encostas. As mulheres e as crianças, debaixo de sol tórrido, aí estão a despejar cestas e a cortar uvas, incansavelmente. A despedida das quintas, como Torga regista em Vindima, é “uma apoteose ao vinho, mulheres e homens embriagados, tontos de vida e alegria”.
As quintas da região, produtoras do famoso “Vinho do Porto” são esse “paraíso suspenso”, por todos admirado(…)”.
A terra do seu nome e dos seu amor são as léguas de xisto que dum lado e doutro das margens se levantam em presépio, a encadear o sol que as aquece. Aí sucedem-se as quintas que os turistas que passam vão encontrando num deslumbrado encontro do mito com a realidade. Por mais de uma vez haviam bebido vinho do Porto em Londres, Paris ou Nova Iorque. No rótulo da garraffa vinha o nome desconhecido do sítio onde se criara o néctar. Roncão, Rodo, Canal, Boa Vista, Rio Torto, Castro, Sagrado… (…) Nomes e apelidos das mais variadas línguas acenavam a cal das paredes dos caços. Diez hermanos, Cosens, Andesen, Kopke, Roop, Sandeman, Croft, de Laforce, Calem – parecia a torre de Babel.
Vindima
Hora de partir. È um voltar para trás. O mesmo caminho tortuoso, a mesma paisagem, a mesma graciosidade. O Rio Douro acompanha-nos. Segue-nos lado a lado numa corrida veloz até à Régua. Seguimos para Lamego. Cidade impetuosa e bem demonstrativa do poder que em tempos idos foi detentora. Para o Autor, porém a mesma não lhe traz grandiosas recordações. Porém marcaram uma etapa decisiva e um percurso na sua fase de adolescência.
Ia na frente, de fato preto, montado na jumenta, a segurar o baú de roupa que levava adiante de mim. Meu pai e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas, e ela de colchão e cobertores à cabeça. Assim percorremos as seis léguas que vão de Agarez a Lamego, pelo caminho velho. Senhora da Guia, Senhora do Bom Caminho, Senhora da Boa Morte, Vila Seca, Poiares, Régua… De alma negra, olhava a paisagem grandiosa que nos acompanhava, e via nela apenas a minha sombra. Papa-hóstias, como dissera o senhor Botelho… Era tudo o que eu podia vir a ser na vida. […]
(…) A República tomara conta do edifício […] e transformara-o em quartel. Por isso, vivíamos em grupos de dez e doze, espalhados pela cidade, comandados por um mais velho, e íamos às aulas à residência dos professores.
Aos Domingos […] juntávamo-nos todos na Sé, assistíamos à missa, e no fim, a ouvir obscenidades dos caixeiros aperaltados, que tocavam no cotovelo do vizinho a passar o enguiço – Lagarto! Lagarto! -, seguíamos a dois e dois para a Meia Laranja, ao fundo da escadaria da Senhora dos Remédios, e aí nos divertíamos.
A Criação do Mundo
O tempo urge e o dia está a findar. É tempo de voltar. O percurso está no fim.
Etapas da Rota: Parque Natural do Alvão
1ª Etapa [Partida] - Cidade de Vila Real
2ª Etapa - Miradouro de S. Leonardo de Galafura
Localizado no Monte de S. Leonardo na freguesia de Galafura, este miradouro sobranceiro sobre o rio Douro, é um dos mais bonitos da região e onde Miguel Torga mergulhava no rio e se embrenhava na paisagem magnânima deste Doiro sublimado, a quem num dos seus Diários chamou de excesso de natureza. Sobre uma pedra está registado um excerto da obra.
3ª Etapa - Miradouro de S. Domingos
4ª Etapa - Vila do Pinhão
Localizada na margem direita do Rio Douro, o Pinhão é o centro da região demarcada do Vinho do Porto e o local onde estão localizadas as mais famosas “Quintas” produtoras de vinho generoso. A estação dos caminhos de ferro do Pinhão é conhecida pelos seus 24 painéis de azulejos, autênticos postais de Portugal, que retratam paisagens duriense e aspectos das vindimas. A paisagem do Pinhão está classificada pela UNESCO como património cultural da humanidade.
5ª Etapa - Miradouro de S. Salvador do Mundo
Situado na estrada que segue de São João da Pesqueira em direcção à Barragem do Cachão, e a cerca de 5km de distância da vila, encontra-se este Miradouro composto por um conjunto de dez Ermidas do século datadas maioritariamente do XVI. Daqui a vista é magnífica, com o Douro a perder de vista, cortando as Serras que se dispõem no horizonte, sobranceira à barragem da Valeira.
6ª Etapa - Cidade de Lamego
Localizada na margem sul do rio Douro, a cidade é sede de Concelho. A sua génese e história remonta ao tempo dos Celtas tendo vindo ao longo dos tempos a sofrer um forte desenvolvimento, sendo a sua riqueza patrimonial bem patente nos vários edifícios que majestosamente aparecem por toda a cidade.